Uma das questões que afeta grande parte dos empresários é a possibilidade de ter seu patrimônio pessoal atacado por dívidas geradas no âmbito da sua empresa.
Em uma rápida síntese, podemos indicar que essa possibilidade vai depender da forma como a empresa foi constituída - se com responsabilidade limitada ou não - e, depois, da conduta mantida pelo sócio à frente do seu negócio.
Se a empresa foi constituída de forma individual e sem responsabilidade limitada, em regra, o patrimonio pessoal e as dívidas do sócio se confundem com o patrimônio e dívidas da empresa, sendo uma só coisa. Nesse caso, o credor poderá cobrar automaticamente o débito tanto da pessoa jurídica da empresa constituída (CNPJ), quanto da pessoa física do sócio/empresário (CPF).
No entanto, caso a empresa tenha sido constituída com responsabilidade limitada (LTDA), as dívidas contraídas ficam restritas/limitadas à pessoa jurídica da empresa, ou seja, o credor não vai conseguir automaticamente cobrar o débito da pessoa física dos sócios, tão somente poderá executar o patrimônio constituído na pessoa jurídica (CNPJ) da empresa.
Essa limitação, no entanto, pode ser rompida caso o credor demonstre judicialmente que o sócio tenha cometido abusos da personaldiade jurídica da empresa que, nos termos do artigo 50 do Código Civil, podem ser caracterizados por:
a) Desvio da finalidade da empresa quando, por exemplo, se utiliza da pessoa jurídica para lesar credores ou praticar ilícitos de qualquer natureza;
b) Ocorrência de confusão patrimonial, quando há a ausência de separação de fato entre o patrimonio do sócio e da empresa. Por exemplo: quando a empresa paga repetidamente as obrigações pessoais do sócio ou administrador, quando há a transferência de ativos ou passivos entre eles sem a devida contraprestação, ou quando a autonomia patrimonial da empresa é descumprida de qualquer modo.
O procedimento que direciona a execução das dívidas da empresa ao patrimônio pessoal do sócio é chamado de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica - IDPJ, e em geral é instaurado em apenso ao processo de cobrança/execução.
No entanto, apesar da possibilidade legal acima indicada, tem-se que a existência de dívidas maiores que o patrimônio ou o encerramento irregular das atividades não são, por si sós, suficientes à permitir que o sócio seja executado pelas dívidas da empresa.
A Lei e a Jurisprudência têm evoluído no sentido de vedar a extensão da responsabilidade da empresa à pessoa física do sócios quando não ficarem claramente caracterizadas as hipóteses previstas no artigo 50 do Código Civil.
O enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF), aprovado em 2002 prescreve: "Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido".
Nesse mesmo sentido, o artigo 49-A do Código Civil, trazido pela Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), estabelece que "a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos."
O artigo acima listado prescreve que a segregação de riscos representada pela constituição de uma empresa com responsabilidade limitada é algo totalmente aceitável e lícito e, por este motivo, o fracasso da atividade empresarial não pode representar a ruína do sócio que, desde o início das atividades, optou por separar o patrimônio da empresa do seu patrimônio pessoal e agiu sem cometer qualquer tipo de abuso.
Selando o que prevê a legislação, o Superior Tribunal de Justiça, já estabeleceu:
[...] "a existência de indícios de encerramento irregular da sociedade aliada à falta de bens capazes de satisfazer o crédito exequendo não constituem motivos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, eis que se trata de medida excepcional e está subordinada à efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial" [...] (AgInt no AREsp 1,712,305/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe de 14/04/2021).
Portanto, se a empresa é de responsabilidade limitada (LTDA), o sócio só poderá ser cobrado/executado quando ficar comprovado o desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial, sendo que o encerramento das atividades ou o a inexistência de bens da empresa suficientes à saldar o débito, não são suficientes à direcionar a cobrança para o patrimônio pessoal do sócio.
De todo o exposto, pode-se colher pelo menos dois ensinamentos. O primeiro é de que, se você é sócio ou administrador de pessoa jurídica com responsabilidade limitada, não deve cometer desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sob pena de responder pelas dívidas contraídas com o seu patrimônio pessoal. O segundo ensinamento é o de que, se você vai vender ou conceder crédito à uma empresa com responsabilidade limitada, antes de efetivar a transação, deve fazer uma boa análise de riscos, verificando se o patrimônio mantido pela empresa é suficiente à saldar o débito por ela contraído.
Ficou com alguma dúvida? Entre em contrato conosco clicando aqui.
Por Phelippe Guesser, advogado inscrito na OAB/SC n. 41791.
Comments